“Não abram rápido demais”, recomenda Opas sobre o isolamento

Rio de Janeiro - A diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa Etienne, durante abertura do 1º Congresso Internacional de Práticas Integrativas e Saúde Pública, no Riocentro (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Com Agência Brasil

Uma segunda onda de contágios pode levar à perda dos esforços

A diretora da Organização Pan Americana da Saúde (Opas), Carissa Etienne, alertou hoje (2) que os países devem ser muito cuidadosos ao começar a flexibilizar as medidas de isolamento. Ela disse que uma segunda onda de contágios pelo novo coronavírus (covid-19) pode levar à perda dos esforços feitos até o momento.

De acordo com a Opas, as Américas já registraram quase 3 milhões de casos da covid-19, e as curvas de contágios seguem aumentando em muitas áreas, ou seja, mais pessoas adoecerão amanhã do que hoje. Apenas na semana passada, foram registrados 732 mil casos novos no mundo, dos quais mais de 250 mil novos casos em países latino-americanos. A região das Américas contabiliza mais da metade dos novos casos reportados mundialmente.

“A situação é terrível, mas não desesperadora. Temos que aplicar as estratégias que vimos comprovadas até agora. Essa é a única saída”, afirmou Etienne.

Ações

A diretora da organização chamou a atenção para três pontos fundamentais. O primeiro é que os governos devem pensar duas vezes antes de flexibilizar as medidas de distanciamento social, pois essa segue sendo a melhor estratégia para conter a propagação do vírus. “Muitos lugares que viveram durante dois meses as ordens de permanecer em casa agora pensam abrir. Devemos ser cuidadosos. Meu conselho é que não abram rápido demais. Há o risco de uma reemergência da covid-19, que poderia apagar todas as vantagens que conseguimos nos últimos meses. Considerem um enfoque geográfico para o fechamento e abertura, baseados na transmissão”.

Ela reforçou que, até o momento, as medidas mais efetivas são a ampla testagem, o rastreio dos casos e contatos, o tratamento dos doentes e o isolamento dos pacientes. E que o distanciamento social desacelera a transmissão de maneira que os serviços de saúde possam não entrar em colapso.

O segundo ponto é a vigilância como ferramenta mais valiosa para orientar as ações de saúde pública. “Mesmo que a capacidade de testes não seja perfeita, praticamente todos os países da região têm suficientes dados para rastrear e monitorar a propagação do vírus. Isso é que deve impulsionar nossa decisão, e ajudaria a dirigir as medidas de apoio social mais adequadamente, utilizando os dados para adaptar a resposta, proteger as comunidades vulneráveis e centrar seus esforços onde surjam as novas infecções”.

O terceiro ponto é o fortalecimento dos sistemas de saúde. “Nos últimos meses, os países deveriam ter fortalecido seus sistemas de infraestruturas sanitárias para essa onda, que sabíamos que vinha. Especialmente melhorando a capacidades dos hospitais. Muitos lugares estão esgotados e operando no limite de suas capacidades”.

Etienne lembrou que o impacto da pandemia na região foi severo, mas que poderia ter sido pior. “As autoridades sanitárias implementaram medidas de saúde pública que achatam a curva em suas comunidades. Mas as Américas são enormes e diversas, e com desafios enraizados que fazem com que a detenção de um vírus seja complicada. Enfrentamos três emergências simultâneas: a sanitária, a econômica e a social. E devemos abordá-las juntas, porque somos uma região de massivas desigualdades. Há muito mais pessoas que não têm acesso à saúde de qualidade do que as que sim”.

Ela ressaltou as dificuldades de combate ao vírus em algumas megacidades, onde muitas pessoas vivem muito próximas umas das outras e compartilham espaços e transporte público. E que há grupos pobres e vulneráveis que não têm os meios para permanecer em casa e se proteger.

“Somos uma região com grupos com muito risco de contrair a doença e morrer: os indígenas, os migrantes e as pessoas com outras doenças não transmissíveis. É uma região com sistemas de saúde pública sub-financiados e frágeis, que enfrentam problemas muito mais sérios que a covid-19, como a malária, o sarampo, a dengue e muitas outras doenças”, disse a diretora da Opas.

Brasil

Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Opas, disse que a situação no Brasil é delicada e que a organização está preocupada com o aumento de casos e de mortes na última semana.

“As medidas de mitigação devem continuar sendo implementadas. Não podemos generalizar porque o Brasil é um território enorme e os estados são diferentes. Mas, se olhamos pesquisas feitas por universidades como a de Pelotas, elas sugerem uma baixa prevalência em estados como Florianópolis [Santa Catarina] e uma elevada prevalência na Amazônia, por exemplo. Devemos levar isso em conta e sugerir que os governadores sigam implementando medidas”.

Espinal disse ainda que o Brasil, apesar de ter melhorado, ainda não tem um número suficiente de testes, realizando apenas cerca de 4.300 testes por milhão de habitantes, enquanto outros países chegam a testar 15 mil, 20 mil, 25 mil pessoas por milhão de habitantes.

“Estamos vendo no Brasil que a ocupação de leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva) se encontra em uma situação preocupante em muitos estados, chegando a 80% em alguns como Ceará, Amapá e Maranhão. É importante que se tomem medidas para habilitar mais leitos. Temos cifras enormes no Nordeste e no Norte, mas também em dois grandes estados, São Paulo e do Rio de Janeiro. É muito difícil afirmar que isso vai retroceder nas próximas semanas. Elas [as próximas semanas] serão cruciais para o Brasil. Vai depender de como se implemente o pacote de medidas no país”.

Indígenas

Sylvain Aldighieri, gerente de Incidentes da Opas, defendeu a importância da prevenção e do controle da covid-19 nas populações indígenas.

“Estamos muito preocupados com as tendências na Bacia do Amazonas. É importante fortalecer o sistema de vigilância nas zonas mais remotas, para manter a atenção caso a caso. A principal recomendação é assegurar-nos de que existe uma estreita colaboração com as associações indígenas, vinculando os grupos indígenas ao processo de decisão, para garantir que se considerem as barreiras culturais e linguísticas”.

O gerente recomenda também assegurar o contato com ONG’s nacionais e internacionais, para complementar as atividades que fazem os diferentes ministérios de saúde dos países.

Edição: Fernando Fraga